terça-feira, 25 de julho de 2023

15º Encontro Intereclesial das CEBs: pentecostes de espiritualidade ética e profética. Por frei Gilvander

 15º Encontro Intereclesial das CEBs: pentecostes de espiritualidade ética e profética. Por frei Gilvander Moreira[1]

15o Intereclesial das CEBs, em Rondonópolis, MT. Fotos: Jakson Moreira

Celebramos 38 anos do martírio do Padre Ezequiel Ramin dia 24 de julho deste ano de 2023, porque dia 24 de julho de 1985, padre Ezequiel Ramin, sendo missionário comboniano e agente da Comissão Pastoral da Terra (CPT), foi brutalmente assassinado com 50 tiros em Cacoal, Rondônia, a mando de fazendeiros que estavam expropriando os posseiros e expulsando-os da terra que pertencia a eles. Dom Pedro Casaldáliga dizia: “Feliz de um povo que não esquece seus mártires!” Para honrar a memória espiritual e profética de Ezequiel Ramin, dia 23 de julho último aconteceu a 8ª Romaria Padre Ezequiel Ramin, em Rondolândia, no Mato Grosso.  Padre Ezequiel Ramin, semente viva na Amazônia! Aconteceu também na noite do dia 21 de julho de 2023, no 4º dia do 15º Intereclesial das CEBs uma Romaria dos Mártires e Defensores da Vida, da Praça dos Carreiros até o Cais do Rio Vermelho, em Rondonópolis, MT. Em estandartes, as fotos de dezenas de mártires nos faziam recordar de tantos/as que, como Jesus Cristo, foram assassinados/as por estarem nas lutas dos/as injustiçados/as do campo e da cidade. O sangue dos/as mártires precisa continuar circulando nas nossas artérias. Temos que honrar o legado de doação e profecia que nos deixaram.



Dia 25 de julho é dia do/a trabalhador/a rural, dia de renovarmos nosso compromisso com os/as trabalhadores/as do campo que, como assalariados, acampados, assentados ou pequenos agricultores, produzem mais de 70% do alimento que chega à mesa do povo brasileiro, enquanto o agronegócio não produz alimento, mas produz: a) commodities para exportação para gerar lucro e acumulação de capital para poucos capitalistas; b) produz desertificação de territórios pelo desmatamento desenfreado, pela irrigação que seca os rios e chupa águas dos lençóis freáticos em poços artesianos que esgotam as águas subterrâneas; c) produz epidemia de câncer e de Alzheimer pelo uso indiscriminado de agrotóxicos como o glifosato e centenas de outros venenos que intoxicam a terra, as águas, o ar e os corpos dos animais, das plantas e dos seres humanos adoecendo-os. Nossa homenagem ao lavrador/a, camponês/a, trabalhador/a do campo, pois “se o campo não planta, a cidade não janta”.



Ainda em ‘estado de graça’ por ter participado do 15º Intereclesial das CEBs (Comunidades Eclesiais de Base – www.cebsdobrasil.com.br ), em Rondonópolis, MT, de 18 a 22 de julho último (2023), e convicto de que devemos partilhar e socializar as experiências que humanizam, mesmo ciente de que é muito difícil, se não impossível, partilhar o esplendor da espiritualidade ética e profética que vivenciamos no 15º Intereclesial das CEBs, um “Encontro Nacional de representantes de CEBs do Brasil”, vamos lá ...

O tamanho: Participaram cerca de 1.500 lideranças de CEBs de todo o Brasil, entre as quais 60 bispos, uns 130 padres, umas 130 freiras, alguns membros de outras Igrejas Cristãs, dezenas de indígenas, quilombolas, pessoas LGBTQIA+, observadores internacionais etc. Nove grandes Equipes de Trabalho garantiram em um estupendo mutirão a infraestrutura, alimentação e tudo o que precisava para o Intereclesial se desenrolar bem. Os 1.500 participantes foram acolhidos e hospedados em casas de centenas de famílias que graciosamente abriram o coração e hospedaram com alegria todos/as nós. Enfim, milhares de pessoas contribuíram e participaram de um grande mutirão que construiu e realizou o 15º Intereclesial das CEBs.

tema acolheu o que o papa Francisco vem nos pedindo desde o início do seu pontificado: “CEBs: Igreja em saída na busca da vida plena para todos e todas” e o lema, “Vejam! Eu vou criar novo céu e uma nova terra” (Is 65,17a). Qual Igreja? A que se faz povo de Deus com opção pelos pobres e opção de classe trabalhadora. “Em saída” para onde? Para as periferias geográficas e sociais, na busca e construção de condições objetivas e materiais que garantam vida plena para os humanos e para toda a biodiversidade. “saída” que exige trabalho de base e formação bíblica, teológica, política, ecológica etc.

Os momentos de oração e mística no início de todas as manhãs nos conectaram com a Divina Ruah, o Deus trinitário mistério de infinito amor, com os nossos ancestrais, as luzes e as forças dos/as mártires da caminhada e com as mais diversas formas de vivenciarmos nossa espiritualidade. “Orar faz bem”, melhor ainda quando de forma libertadora envolvemos na nossa oração a comunidade, a sociedade e todos os seres vivos da nossa Casa Comum. A Equipe de animação e cantoria, ao longo dos dias, nos embalava com músicas libertadoras com letras e melodias críticas e entusiasmantes, todas no Cancioneiro do 15º Intereclesial das CEBs. Já dizia Santo Agostinho: “Quem canta uma música boa (libertadora), reza duas vezes”. E ao contrário, quem canta uma música alienante se aliena duas vezes.

Seguindo o método VER, JULGAR/DISCERNIR e AGIR, todos/as tiveram oportunidade de se expressar e ouvir todos/as em grupos pequenos, médios, plenárias/biomas e na plenária-mãe, nossa “Casa Comum”. No 1º dia, para VER a realidade, todos/as os/as participantes foram distribuídos em Plenárias com os nomes de Biomas: Mata Atlântica, Cerrado, Caatinga, Pantanal, Amazônia, Pampas. No 2º dia, na Plenária-mãe, chamada de “Casa Comum”, foi socializada a reflexão feita em mutirão no dia anterior e adentramos no JULGAR, discernindo como enfrentar as injustiças que ofuscam o reino de Deus no nosso meio. Foram criticados com veemência as relações sociais que geram o clericalismo, o patriarcado, o machismo, o racismo, a homofobia, a devastação ambiental e outras violências que aviltam a dignidade humana e reduzem a mercadorias a terra, as águas e toda a biodiversidade.

Em contexto de efeito dominó dos 34 anos de pontificado dos papas João Paulo II e Bento XVI, disseminando movimentos com espiritualidades intimistas e fundamentalistas, cultivando o clericalismo, muitas pessoas clamavam “basta de muito rito e pouco Cristo” e houve apelo para que as CEBs se tornem autônomas e que não fiquem esperando muito apoio dos padres e dos bispos. Buscar outros areópagos e ser profetas como Eldad e Medad fora da Tenda (Nm 11,26-29 ): nas ocupações urbanas e camponesas, e nas periferias das cidades. A caminhada das CEBs persiste e resiste, apesar de todas as dificuldades, mas deve se enraizar também fora da estrutura das paróquias. As Ocupações de luta pela terra e por moradia são na prática CEBs, mas na maioria das vezes sem rótulo e no geral sem ou com pouco acompanhamento das paróquias onde se encontram. Com Marcelo Barros, sugerimos a continuidade das CEBs, mas “com caráter mais autônomo em relação às paróquias e mesmo às dioceses, ligadas às Igrejas locais, mas com estrutura mais autônoma e mais laical e ecumênica, talvez animada a partir do CONIC[2] e de entidades irmãs que possam junto com as pastorais sociais assumirem junto com Movimentos Sociais Populares a tarefa de dar maior visibilidade e solidez às Comunidades Ecumênicas de Base ou mesmo Comunidades Humanas de Base.”

No julgar e discernir foi enfatizado que cultivar a vida comunitária é um sagrado antídoto ao espírito capitalista que solapa as relações comunitárias e injeta o vírus do individualismo e do egocentrismo. Foi alertado que fazer missão não pode ser reduzido a tentar envolver de forma proselitista “os de fora” na “minha igreja”, mas testemunhar o que Jesus Cristo e os profetas e profetisas ensinaram e testemunharam revelando o que constrói o reino de Deus no nosso meio. Não podemos nos calar! Crucial continua sendo sermos profetas e profetisas, não adivinhadores do futuro, mas quem nas entranhas da trama histórica lê os sinais dos tempos e dos lugares e no meio do povo aponta os caminhos a serem seguidos para superação do capitalismo que em crise aguda segue superexplorando não só a classe trabalhadora, mas também sacrificando no altar do mercado idolatrado os bens naturais – terra, águas, minerais e todo que pode ser transformado em mercadoria nos biomas e ecossistemas.

Três clamores foram destacados: os clamores dos povos negros diante das relações sociais escravocratas que reproduzem cotidianamente racismo estrutural; os clamores dos povos indígenas vítimas de genocídios e de invasão de seus territórios e ainda sob ameaça da brutal tese do Marco Temporal já aprovado na Câmara Federal. Houve um fortíssimo grito para que o inconstitucional e esdrúxulo Marco Temporal não seja aprovado no Senado Federal e nem no Supremo Tribunal Federal; os clamores das Juventudes também vítimas de genocídio e da amputação de oportunidades para desabrochar seu infinito potencial de humanização.

Enfim, na atual conjuntura da Igreja Católica no Brasil, de um retorno à Grande Disciplina, de hegemonia de fundamentalismo, clericalismo, moralismos e de “comunidades entocadas” priorizando ajuntar dízimo e reduzindo a fé cristã a autoajuda, o 15º Intereclesial foi ato público de resistência em que militantes e pessoas da caminhada libertadora das CEBs expressaram de cabeça erguida que as CEBs estão vivas e seus membros mantêm viva e forte a profecia da espiritualidade libertadora ecumênica e inter-religiosa. Vivenciamos dias de verdadeira manifestação do amor de Deus na força e luz da Divina Ruah, fecundando as CEBs! Dom Guilherme Antônio Werlang, bispo da Diocese de Lages, SC, foi aplaudido por todos/as de pé ao bradar: “Quem se deixa levar pela correnteza das maiorias, é como um corpo morto ou um tronco já derrubado e sem vida e que é incapaz de reagir e lutar pela vida sua e dos outros. Nadar contra a correnteza nunca foi fácil, mas essa deve ser a atitude de quem deseja ser cristão ou cristã.”

A caminhada continua e o trem das CEBs segue agora para seu berço, o estado do Espírito Santo, que acolherá e sediará o 16º Intereclesial das CEBs em 2027. Que a Divina Ruah e a Trindade Santa continuem nos guiando com muito amor no coração na utopia do reino de Deus, com olhar e pés no chão das periferias, ao lado dos periferizados, lutando pelos seus direitos e também pelos direitos da natureza. Que os/as que foram sejam multiplicadores, que o XV Intereclesial das CEBs ressoe nas Paróquias e Comunidades... no meio do povo! Apesar de tantas forças contrárias na sociedade e na própria Igreja, sigamos na construção de uma Igreja viva, em saída, sinodal, a partir dos/as pobres, injustiçados/as. 

Em tempo: Registramos em vídeo cerca de 13 horas nos cinco dias do 15º Intereclesial e estamos aos poucos disponibilizando no youtube no canal “Frei Gilvander Luta pela Terra e por Direitos”. Assista se quiser e sinta-se à vontade para baixar e republicar em outros canais.

25/07/2023.

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 - XV Intereclesial das CEBs, Rondonópolis, MT: celebração de abertura, beleza espiritual e profética!

2 - VER de forma crítica a realidade, 1ª parte da manhã 2º dia XV Intereclesial de CEBs, Rondonópolis/MT

3 - Pedro Ribeiro analisa Realidade Eclesial: 2a parte dia 19/7 -XV Intereclesial CEBs, Rondonópolis/MT

4 - Cantoria, Acolhida, Oração e Mística no 2o dia do XV Intereclesial das CEBs, Rondonópolis/MT: luzes!

5 - Destaques do XV Intereclesial das CEBs em Rondonópolis/MT, segundo participantes, CNBB e Rede Vida

6 - https://cebsdeminas.com.br/4774-2/



[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG; colunista dos sites www.domtotal.com , www.brasildefatomg.com.br , www.revistaconsciencia.com , www.racismoambiental.net.br e outros. E-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com.br       –       www.twitter.com/gilvanderluis         – Facebook: Gilvander Moreira III

[2] Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil – www.conic.org.br 

terça-feira, 18 de julho de 2023

Mineradoras Santa Paulina e Minar insistem em DEVASTAR Ibirité e Itabirito, em MG: violência brutal inadmissível. Por frei Gilvander

 Mineradoras Santa Paulina e Minar insistem em DEVASTAR Ibirité e Itabirito, em MG: violência brutal inadmissível. Por frei Gilvander Moreira[1]


Após trinta horas de viagem de ônibus de Belo Horizonte, MG, até Rondonópolis, MG, estamos aqui no 1º dia do XV Intereclesial das CEBs (Comunidades Eclesiais de Base), com o Tema “CEBs: Igreja em saída na busca da vida plena para todos e todas” e o lema “Vejam! Eu vou criar novo céu e uma nova terra” (Is 65), com cerca de 1.500 representantes de CEBs de todo o Brasil. Estou longe fisicamente de Minas Gerais, mas com o coração em muitas lutas por justiça socioambiental nas minas e nos gerais. Partilho abaixo dois Manifestos que foram escritos de forma coletiva, com minha participação, na esperança de que sejam instrumentos para ampliar a Rede de Apoio às lutas justas, necessárias e urgentes para que o município de Ibirité, na região metropolitana de Belo Horizonte, MG, seja de fato Território Livre de Mineração e que o povo do município de Itabirito, no colar metropolitano da capital mineira, já tão sacrificado pela mineração devastadora, não permita a insanidade de aceitar mineração dentro da Estação Ecológica de ARÊDES. Leiam abaixo e divulguem, por favor.

1 - MANIFESTO PELO FECHAMENTO DA MINERAÇÃO SANTA PAULINA NA SERRA DO ROLA-MOÇA EM IBIRITÉ, DIVISA COM SARZEDO E BELO HORIZONTE, MG

Parque Estadual da Serra do Rola-Moça (PESRM), situado nos municípios de Belo Horizonte, Brumadinho, Ibirité e Nova Lima, MG, com seus 3.941,09 hectares de área, é o terceiro maior parque em área urbana do Brasil. Criado através do decreto estadual nº 36.071, de 27 de setembro de 1994. É considerado área de proteção especial de mananciais, essenciais para o abastecimento de água da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). Abrange, em seus domínios, várias nascentes e cabeceiras de rios, destacando-se as Áreas de Proteção Especial (APEs): Taboões, Rola-Moça, Bálsamo, Barreiro, Mutuca e Catarina, mananciais que abastecem parte da população de Belo Horizonte, Ibirité e Brumadinho. Adjacente ao PESRM, a Estação Ecológica de Fechos (EEFechos), um importante remanescente florestal, também um importante manancial de água que abastece a cidade de Belo Horizonte. A grande variedade de ecossistemas encontrados nesta região, contendo formações vegetais tanto da Mata Atlântica, quanto do Cerrado e de campos de altitude, faz com que a mesma seja dotada de uma extraordinária riqueza natural peculiar, que sofre violentas pressões tanto pela exploração mineral quanto pela alocação de empreendimentos imobiliários, em seu entorno. Preservar o PESRM se tornou uma necessidade para a sobrevivência de quase 6 milhões de pessoas da RMBH e de uma riquíssima biodiversidade.

A extração de minério na área do PESRM começaram em 1937 com a concessão de lavra ao Departamento Nacional de Produção, tendo funcionado até o final dos anos 2000 com base nas famigeradas Autorizações Ambientais de Funcionamento quando foram interditadas por força de ação ajuizada pelo Ministério Público de Minas Gerais (MP/MG). Desde então a Mineração Santa Paulina levou 7 (sete) anos para que ao final tivesse em 2021 indeferido seu pedido de Licença Ambiental para voltar a explorar minério na Mina da Boa Esperança localizada entre Ibirité e Sarzedo, por evidentes razões de inviabilidade ambiental.

Com as atividades minerárias paralisadas em razão da ausência de licenças ambientais necessárias, a Mineração Santa Paulina, embora tenham sido comprovadas operações ilegais nesse período, terminou reduzindo a área a um cenário de destruição – crateras brutais - que permanece há anos sem adoção das medidas de recuperação necessárias. Em nova tentativa de operar legalmente na área, a Mineração Santa Paulina buscou licenciar então a atividade de reaproveitamento de bens metálicos dispostos em pilha estéril ou rejeitos, pedido que teve sua rejeição recomendada por extenso parecer emitido pelo setor técnico da Superintendência Regional do Meio Ambiente (SUPRAM) da Secretaria de estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMAD).

Entretanto, de maneira incompreensível e absurda o Superintende do órgão resolveu autorizar a retirada de mais de 1 milhão de toneladas sem qualquer tipo de licenciamento ambiental. A retomada das atividades minerárias pela Mineração Santa Paulina causou grande comoção popular, indignação e reinvindicações pelas comunidades atingidas com diversas representações dirigidas ao Ministério Público de Minas Gerais, apontando os múltiplos e brutais impactos negativos, danos ambientais e atividades poluidoras, decorrentes da retomada da retirada de minério e escoamento da produção através do trânsito de veículos de transporte da Mineração Santa Paulina em estrada clandestinamente aberta e em estreitas estradas de terra que interligam os municípios de Ibirité e Sarzedo, causando múltiplos e violentos danos às comunidades lindeiras aos trechos trafegados, especialmente centenas de famílias horticultoras. Inicialmente estão previstas 120 (cento e vinte) viagens diárias com pesados caminhões passando a cada 6 (seis) minutos, das 06H00 às 18H00.

Diante dessa concreta e gravíssima ameaça ao Parque Estadual da Serra do Rola-Moça e a seus mananciais de abastecimento público, aos ecossistemas e ao bem estar das populações atingidas, a produção de alimentos que alimenta a inteira região metropolitana de Belo Horizonte, o Ministério Público de MG ajuizou a Ação Civil Pública 5009765-16.2023.8.13.0114 que tramita perante a 3ª Vara Cível da Comarca de Ibirité. Dentre várias razões exposta pelo Ministério Público de MG (MP/MG), destaca-se que a Fazenda Boa Esperança, onde se encontra a Mineração Santa Paulina, situa-se na zona de amortecimento do Parque Estadual Serra do Rola Moça, nos limites de área de Conservação e Proteção Integral, afirmando que o empreendimento minerário da Mineração Santa Paulina “provoca e provocará impactos negativos, correspondendo, fundamentalmente, à ocupação dos espaços naturais, com prejuízos inevitáveis à fauna e à flora”, porquanto que o empreendimento minerário não conta com licenciamento ambiental clássico, precedido de estudo de impacto ambiental e de relatório de impacto ambiental (EIA e RIMA).

Assim o Ministério Público de MG exige como pertinente ao caso, a) a imediata suspensão de todas as atividades desenvolvidas pela Mineração Santa Paulina; b) a abstenção de promover qualquer intervenção no Parque Estadual da Serra do Rola-Moça e/ou no seu entorno/zona de amortecimento; c) a abstenção de transitar caminhões e transportar minério (ou materiais afins), especialmente no entorno do Parque Estadual da Serra do Rola-Moça (incluindo a sua zona de amortecimento); d) recuperação de todas as áreas degradadas e alteradas no empreendimento, por meio da elaboração, no prazo máximo de 30 (trinta) dias, e ulterior execução de Plano de Fechamento de Mina (PAFEM) ou Plano de Recuperação de Área Degradada (PRAD); d.1) O PAFEM/PRAD deve contemplar a efetiva, integral e definitiva reparação ambiental da área onde foram desenvolvidas as atividades minerárias, sendo elaborado por equipe técnica com ART e contando cronograma de execução a ser rigorosamente seguido. d.2) O referido PAFEM/PRAD não poderá contemplar quaisquer medidas que impliquem em lavra de minério existente na área do empreendimento; e) a adoção de todas as medidas emergenciais e de segurança aptas a assegurar a estabilidade de todas as estruturas existentes no empreendimento minerário – nas crateras -, enquanto elas existirem, inclusive daquelas estruturas cuja operação será paralisada, devendo, ainda, ser garantida a neutralização de todo e qualquer risco à população e ao meio ambiente natural, cultural e artificial; f) a contratação, no prazo máximo de 30 (trinta) dias, de auditoria técnica independente com reconhecida expertise, para o acompanhamento das medidas de recuperação das áreas degradadas e garantia de segurança das estruturas do local, sem prejuízo do cumprimento da legislação no tocante à realização de auditorias ordinárias e extraordinárias e da apresentação dos relatórios previstos em normas específicas e/ou solicitados por órgão competente; g) a observância das recomendações e adoção das providências recomendadas pela equipe de auditoria técnica independente e pelos órgãos competentes, nos prazos assinados, que objetivem a integral recuperação da área do empreendimento; h) no prazo máximo de 30 (trinta) dias, elabore um plano de comunicação com a comunidade, a fim de que as intervenções ocorram de forma transparente com a população diretamente afetada. Todos os trabalhos deverão passar pelo crivo dos órgãos de Estado/Município competentes, no que aplicável. Requereu também o Ministério Público, ainda, cautelarmente, com o objetivo de assegurar a integral reparação de danos, o bloqueio do valor de R$ 20.000.000,00(vinte milhões de reais) em contas de titularidade da Mineração Santa Paulina.

A Juíza Renata Souza Viana postergou a análise da tutela de urgência conforme descrito acima para após a realização da Audiência de Conciliação, que ocorrerá de forma presencial, na quinta-feira, dia 20/07/2023 às 17:00, em Ibirité, MG, razão pela qual é imprescindível a manifestação por escrito por meio de notas próprias de Movimentos Sociais e Organizações de Defesa dos Direitos Humanos, sociais e ambientais a serem encaminhadas ao Ministério Público e à juíza do caso, mas também pela presença no momento da Audiência de Conciliação, de entidades, movimentos socioambientais, coletivos de luta por direitos, lideranças dos âmbitos ambiental, social, cultural, religioso e político. Haverá Ato Público na Praça do Fórum em Ibirité, MG, dia 20/07/23, a partir das 14 horas. Convocamos a quem puder ir participar.

Esse Manifesto pelo Fechamento da Mineração Santa Paulina na Serra do Rola-Moça é destinado a colher assinaturas de todas as pessoas preocupadas com as ameaças de morte ao Parque Estadual Serra do Rola Moça e a seus Mananciais de Abastecimento Público, fundamentais para a vida e o bem estar de todos os quase 6 milhões de pessoas da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Derrotar o projeto de devastação da Mineração é agora mais urgente do que nunca!

2 - MANIFESTO da rede de proteção da ESTAÇÃO ECOLÓGICA DE ARÊDES (EEA), em Itabirito, MG: repudiamos com veemência o PL 387 que visa minerar em ARÊDES

Nós, representantes da Sociedade Civil, amigos/a e Rede de Apoio da Estação Ecológica Estadual de Arêdes (EEA), em Itabirito, MG, vimos à presença de Vossa Excelência e aos Excelentíssimos (as) Senhores (as) Secretários(as) de Estado e Deputados(as) Estaduais de Minas Gerais, à Senhora Diretora Geral do IEF e ao Ministério Público Estadual expressar a nossa grande indignação quanto às graves consequências da proposta presente no Projeto de Lei 387/2023 que propõe alterar (desafetar) os limites da Estação Ecológica de ArêdesEsse brutal, violento e injusto PL 387 visa possibilitar que áreas de relevante importância para os objetivos de criação desta Unidade de Conservação sejam destinadas a exploração minerária, atendendo à ganância tão somente de uma empresa mineradora, a Minar, que tanto degradou a região no passado, desconsiderando os demais aspectos socioambientais, tão necessários para garantir o desenvolvimento sustentável no Estado de Minas Gerais.



Não obstante proporcionar uma significativa alteração da dinâmica da Estação Ecológica de Arêdes, criada pelo Decreto Estadual nº. 45.397 de 14 de junho de 2010, alterado pelo Decreto Estadual nº.  46.322 de 30 de setembro de 2013, com fundamento na Lei n°. 19.555 de 09 de agosto de 2011, este Projeto de Lei 387 retira uma grande e importante gleba da área original dessa relevante Unidade de Conservação, sem que os critérios técnicos tenham sido evidenciados e devidamente analisados e segundo a nossa percepção, sem que tenha havido maiores discussões com a sociedade. Essa alteração de limites gera inclusive, os seguintes graves conflitos:

1.     Desafetação de cerca de 280 mil metros quadrados (cerca de 28 hectares)  da bacia hidrográfica do Córrego do Bação (cabeceira do Alto Rio das Velhas), que alimenta nascentes que abastecem 80% da população da cidade de Itabirito. A água necessária para abastecimento humano sofrerá risco de ter sua bacia hidrográfica descaracterizada, sob a pena de se perder definitivamente um bem comum que já está escasso. A crise hídrica se agrava em uma progressão geométrica. Preservar as nascentes e os mananciais se tornou uma necessidade para a sobrevivência da população. Não é aceitável, nem justo e ético que uma atividade econômica proponha explorar estas áreas;

2.     A área onde a mineradora Minar pretende ocupar com sua escavação e demais estruturas formará um obstáculo linear de pelo menos mil metros, o que inviabilizará definitivamente o Corredor Ecológico que hoje liga as bacias do rio Paraopeba e rio das Velhas, prejudicando diretamente um dos objetivos de criação do Monumento Natural Estadual da Serra da Moeda. Um corredor ecológico integra porções de ecossistemas naturais ou seminaturais, ligando unidades de conservação, que possibilitam entre elas o fluxo de genes e o movimento da biota, facilitando a dispersão de espécies e a recuperação de áreas degradadas, bem como a manutenção de populações que demandam para sua sobrevivência áreas com extensão maior do que aquela das unidades individuais.

3.     Destruição do último campo ferruginoso que restou protegido na Serra de Itabirito. Este campo nativo, que está em alto grau de conservação, é considerado Zona Primitiva da Estação Ecológica sendo essencial para o desenvolvimento de pesquisas, guarda um remanescente embrionário formado a 60 milhões de anos e indispensável para propiciar a recuperação das áreas exploradas pelas mineradoras do entorno (mineradoras Vale S/A, Gerdau, SAFM e Herculano). Para o conjunto de características naturais relevantes da Estação Ecológica de Arêdes, este campo nativo mantem a representatividade dos ecossistemas que antes existiam no quadrilátero ferrífero e aquífero, e na Serra de Itabirito especificamente, e hoje caminham aceleradamente para a extinção. Será a nossa geração a última a poder ver este ecossistema na natureza? O PL 387, se for aprovado, devastará tudo isso.

4.    Redução do valor cultural e paisagístico do Complexo Arqueológico de Arêdes, pela sua fragmentação e destruição de estruturas componentes. Trata-se de Complexo Histórico-Arqueológico oriundo do séc. XVIII composto por conjuntos e unidades isoladas (casas, capela, muros, currais, casa de fundição, canais, catas antigas, dentre outros), confeccionados em alvenaria de pedra, portanto, exemplar raro da arquitetura vernacular mineira, com acabamentos variados, compostos por blocos de canga e ou de quartzito em cantaria. Quem irá querer conhecer um patrimônio em local onde também estará acontecendo a exploração minerária com todos seus impactos, barulhos, poeiras e riscos? Como este patrimônio poderá fruir para nossa sociedade? Hoje a Estação Ecológica pode receber escolas e demais visitantes, no entanto, este PL 387 prevê que, à montante das áreas propícias para visitação e passeios escolares, estará uma atividade com tantos parâmetros de segurança a serem atendidos devido ao grau de risco elevado da atividade. Isto não pode ser conciliado. Não aprendemos nada com os crimes brutais e hediondos das mineradoras em conluio com o Estado em Bento Rodrigues/Mariana e em Brumadinho, que afetaram drasticamente as bacias dos vales dos rios Doce e Paraopeba? Quantos outros crimes cada vez mais brutais deixaremos acontecer com a ação devastadora das mineradoras?

5.     Estamos em um momento de transição, os governos e populações das cidades mineradoras buscam a diversificação econômica e a possibilidade de se desenvolver de forma limpa. Os municípios e as comunidades precisam com urgência se libertarem da mineriodependência que escraviza e superexplora o povo e os ecossistemas cada vez mais. Não é possível mais que uma atividade econômica impeça o desenvolvimento de outras. Assim como o Distrito de São Gonçalo do Bação, o Monumento Natural da Serra da Moeda, a Serra do Curral e a nossa Estação Ecológica de Arêdes, em Itabirito e tantos outros bens potenciais para o turismo e com seu valor intrínseco devem ser leoninamente defendidos, por nós que nos importamos com nossa terra.

Assim sendo, apelamos a Vossas Excelências que arquivem definitivamente o Projeto de  Lei 387, que se for aprovado, abrirá caminho para brutal devastação da Estação Ecológica de Arêdes e sacrificará nascentes e córrego que estão na cabeceira do rio das Velhas e comprometerá inclusive o abastecimento público de Belo Horizonte e Região Metropolitana. A mineradora Minar já degradou de forma brutal esta região no passado. O PL 387 só gerará lucro e acumulação de capital para a mineradora Minar e retirará dos nossos descendentes o restante deste precioso bem cultural, histórico, arqueológico e natural, que temos a obrigação de proteger, como Coletividade. O Governo de Minas Gerais e os deputados/as também têm a obrigação de garantir a preservação da Estação Ecológica de Arêdes. Pelo expresso acima, repudiamos com veemência o PL 387 e exigimos o seu arquivamento. Fora, PL 387/23 que atende a lobby da mineradora Minar e outras mineradoras.

18/07/23

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 - Henrique Lazarotti defende o Meio Ambiente e repudia mineração Santa Paulina, em Ibirité, MG, na ALMG

2 - Alenice, do CEDEFES, na ALMG: mineradora Santa Paulina insiste em devastar ambiente e acabar c águas

3 - Luana, mãe: mineradora Santa Paulina coloca em risco crianças da Comunidade do Capão, em Sarzedo, MG

4 - Frei Gilvander: Mineradora Santa Paulina e Gov de MG acabarão c águas de Ibirité e de 160 de BH/MG?

5 - Mineradora Santa Paulina em Ibirité/Sarzedo/MG acabará c água de 700 mil pessoas /Agricultura Familiar

6 - Crateras da mineração Santa Paulina em Ibirité, MG, clamam por revitalização. Vídeo 7 - 31/10/2019

7 - Veja belezas da Estação Ecológica de ARÊDES, em Itabirito/MG, que podem ser devastadas com PL 387/23


[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG; colunista dos sites www.domtotal.com , www.brasildefatomg.com.br , www.revistaconsciencia.com , www.racismoambiental.net.br e outros. E-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com.br       –       www.twitter.com/gilvanderluis         – Facebook: Gilvander Moreira III

quarta-feira, 5 de julho de 2023

Carta aos Efésios: “não roube mais!”. Por frei Gilvander

 Carta aos Efésios: “não roube mais!”. Por frei Gilvander Moreira[1]


Como subsídio para o mês da Bíblia de 2023, sobre a Carta aos Efésios, partilhamos mais um pequeno texto, o quarto, fruto de leitura atenta dos seis capítulos da “Carta aos Efésios”[2]. Destacamos alguns flashes ao longo da “Carta aos Efésios”, tais como, sejam pessoas humanas! Sejam pessoas novas!”, exorta-nos o autor da “Carta aos Efésios” em Ef 4,17-24. “Não vivam como os pagãos, cuja mente é vazia” (Ef 4,17b). A palavra ‘pagão’ vem de ‘pagos’, que significa campos, lugares de grama, zona rural; em oposição a um ambiente urbano. Entretanto, em tom pejorativo, o termo “pagão” foi empregado ao longo de muitos séculos para discriminar “os de fora”, os estrangeiros, os que estão fora da nossa comunidade. Então, que tipo de “pagão” não pode ser exemplo de vida para nós segundo a “Carta aos Efésios”? Obviamente que não são os pagãos camponeses, mas quem vive enredado na teia da ideologia dominante do Império Romano com muitas idolatrias e com cultura escravocrata, que aviltava a dignidade humana reduzindo 80% do povo a escravo. Não vivam como estes que reproduzem um sistema de morte, diz nas entrelinhas a “Carta aos Efésios”. Quem repete ingenuamente fake news e posturas preconceituosas tem “mente vazia”, segundo a “Carta aos Efésios”.

Nos dois versículos seguintes, em Ef 4,18-19, é especificado que tipo de agir é denunciado como imoral e não ético: os que se regem pela “libertinagem e imoralidade”, os vassalos da ideologia dominante (“cegos”), os que tentam manipular Deus segundo seus interesses, os que não têm empatia (“coração endurecido”), os ignorantes, os insensíveis, os libertinos e imorais, enfim. A “Carta aos Efésios” diz, textualmente, para não termos como exemplos de vida, pessoas cuja inteligência “se tornou cega, e eles vivem muito longe da vida de Deus, porque o endurecimento do coração deles é que os mantém na ignorância. Eles perderam a sensibilidade e se deixaram levar pela libertinagem, entregando-se com avidez a todo tipo de imoralidade” (Ef 4,18-19).

Lute pela justiça sendo justo: eis a verdade. “Abandonem a mentira: cada um diga a verdade ao seu próximo, pois somos membros uns dos outros” (Ef 4,25). Esta exortação não diz respeito apenas a pronunciar verdades e evitar falar mentiras, fake news, mas diz respeito a uma postura ética que deve reger nossa forma de viver, conviver e lutar pela construção do reino de Deus a partir do aqui e do agora. “Falar a verdade” implica em ser verdadeiro/a, ético/a, colocar em prática o que diz, ter coerência entre o que diz e o que pratica. Ou seja, quem luta por justiça, para gritar por justiça de forma verdadeira, precisa ser justo. Quem abomina e repudia a corrupção e a violência precisa, para “falar a verdade”, ser e agir como pessoa ética e respeitosa, não pode bradar contra corrupção e ser pessoa corrupta. Ao insistir sobre o abandono da mentira e carregar a verdade consigo, a “Carta aos Efésios” está exortando-nos para um agir ético, que revele coerência entre o que sai da nossa boca e nossas atitudes. Jesus Cristo falava com autoridade, porque n’Ele não havia contradição entre o que ele dizia e o que ele vivia na prática do dia a dia. Cultivando esta verdadeira sabedoria de vida, as comunidades cristãs orientadas pela “Carta aos Efésios” animavam a todos/as: “Estejam, portanto, bem firmes: cingidos com o cinturão da verdade, vestidos com a couraça da justiça” (Ef 6,14).

Sois membros uns dos outros!” (Ef 4,25b). Maravilhoso ver em um texto bíblico da última década do Século 1º da Era Cristã, muitos séculos antes do reconhecimento da interdependência entre as pessoas e com todos os seres vivos da criação, esta frase: “Sois membros uns dos outros!” (Ef 4,25b). Isto é, ninguém é uma ilha, ninguém é autossuficiente, ninguém é independente. Podemos e devemos ser autônomos/as, mas independentes, nunca. Todos nós somos interdependentes uns dos outros. Ai de nós sem os outros! Portanto, o outro (“meu próximo, minha próxima”), a alteridade, é que garante meu viver em abundância. É na relação dialógica, amorosa e respeitosa com o outro que revelo minha verdade, o meu ser autêntico. O fechamento em si é mentira, é caminho de morte, pois aniquila a nossa humanidade.

Roubo de nenhuma espécie! Veja outra sabedoria libertadora que a “Carta aos Efésios” nos dedica: “Quem roubava, não roube mais; ao contrário, ocupe-se trabalhando com as próprias mãos em algo útil, e tenha assim o que repartir com os pobres” (Ef 4,28). Eis outra exortação eminentemente ética da “Carta”. Óbvio que o sentido de “quem roubava, não roube mais” não se restringe à subtração de coisas das pessoas em uma sociedade desigual, o que comumente se entende como roubo, mas se refere, além disso, às relações sociais escravocratas que se reproduziam, cotidianamente, em todas as províncias e colônias do Império Romano. A força de trabalho e a dignidade das pessoas eram roubadas quando se submetiam as pessoas à escravidão e elas eram forçadas a trabalhar sem nada receber, além de uma alimentação precária. Pelo pagamento de uma pesadíssima carga tributária e uma série de taxas, também se roubava o povo de uma forma brutal.

Atualizando esta exortação a superar relações de roubo temos que dizer que, em uma sociedade capitalista, a classe dominante rouba, diariamente, a classe trabalhadora de mil formas: pela mais-valia que impõe o pagamento de salário, que é “apenas o sal para manter a/o trabalhador/a vivo/a” para ser supexplorado/a no dia seguinte;  pelo exagero de impostos embutidos em tudo o que se compra; pelo ‘cativeiro da terra’ e por falta de políticas públicas, que roubam direitos de acesso à terra, à moradia adequada, à saúde, à educação, à arte e cultura, a um ambiente sustentável. Todos esses tipos de roubos são repudiados pela “Carta aos Efésios”. 

Obs.: No próximo texto, o quinto, continuaremos esta reflexão sobre a “Carta aos Efésios”.

05/07/23

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 - Andar no amor na Casa Comum: Carta aos Efésios segundo a biblista Elsa Tamez e CEBI-MG - Set/2022

2 - Toda a Criação respira Deus: Carta aos Efésios segundo o biblista NÉSTOR MIGUEZ e CEBI-MG, set 2022

3 - Chaves de leitura da Carta aos Efésios, segundo o biblista PEDRO LIMA VASCONCELOS e CEBI/MG –Set./22

4 - Estudo: Carta aos Efésios. Professor Francisco Orofino

5 - Carta aos Efésios: Agir ético faz a diferença! - Por frei Gilvander - Mês da Bíblia/2023 -02/07/2023


[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG; colunista dos sites www.domtotal.com , www.brasildefatomg.com.br , www.revistaconsciencia.com , www.racismoambiental.net.br e outros. E-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com.br       –       www.twitter.com/gilvanderluis         – Facebook: Gilvander Moreira III

[2] Optamos por colocar entre aspas “Carta aos Efésios” ao longo do texto, porque em uma análise mais acurada constatamos que, de fato, não se trata de uma Carta e nem é destinada apenas à Comunidade Cristã de Éfeso.